Entrevista para o site O Quadro e o Risco.

Olá camarada, tudo certo?

Concedi uma entrevista para o site O Quadro e o Risco do camarada Thiago Borges. Foi uma entrevista super bem feita e bacana. Convido você para a leitura por aqui mesmo (logo abaixo) ou, no site O Quadro e o Risco que por sinal, é bem bonito!

Acompanhe também a contagem regressiva para o lançamento da minha nova HQ pois, já na segunda, a revista estará a venda aqui na Loja Online.

Grande abraço!

Luciano Salles.


Não há dúvidas de que o paulistano Luciano Salles seja uma das forças criativas mais fortes do quadrinho nacional atual. Um verdadeiro feito pra quem, até 2012, trabalhava como engenheiro e bancário – mas compreensível quando se entra em contato com suas obras, complexas e inquietantes, com traços que remetem à arte científica e hiperdetalhada de Moebius e Geof Darrow.
Na próxima segunda-feira, dia 12 de outubro, Salles lança sua nova HQ, chamada Limiar: Dark Matter. Ficção científica viajandona, que envolve três personagens (Carino, Nádio e Amerício) em uma aventura sobre amizade, vingança, morte e os mistérios da existência – mais detalhes sobre o enredo só lendo a obra. O álbum é um projeto totalmente independente e poderá ser adquirido (por enquanto) na lojinha do site dele a partir de segunda.
No bate-papo abaixo, Salles explica a concepção de Limiar: Dark Matter e outros detalhes desse projeto.
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Capa de Limiar: Dark Matter: lançamento é feito de forma independente, sem passar por editoras
Luciano, com Limiar: Dark Matter você volta ao terreno da ficção científica – gênero ao qual pertence outra obra sua, O Quarto Vivente. Qual sua relação com a ficção científica?
Luciano Salles: Sempre adorei o tema, mas o fato de Limiar ser sobre o assunto foi algo natural. Não fico matutando sobre o que será minha próxima HQ, se vou escrever algo de terror, erótico ou mesmo outra ficção. Simplesmente algum tema me intriga e vou montando uma história em minha cabeça.
E como será a abordagem da história? Seguirá uma linha narrativa mais reflexiva, assim como seus outros trabalhos?
Diferente de L’Amour: 12 oz, sigo reto em Limiar, inclusive narrativamente. Entretanto, eu gosto de me comunicar com o leitor, de poder deixar aberto algumas questões dentro da história e quem sabe, de alguma forma, incentivá-lo a conhecer uma nova zona de interesse. Mas tudo isso é a história que me concede. Não fico forçando a barra.
Dark matter significa “matéria escura”, um dos elementos mais importantes para a formação do universo, porém menos compreendidos pela ciência. Por que usar um termo tão desconhecido logo no título?
A matéria escura compõe praticamente 95% do universo. Há teorias, hipóteses e muitos testes sendo feitos sobre ela, mas não a compreendemos por enquanto. E o fato de não compreender algo me intriga. Quando estava trabalhando na produção da obra, tinha duas opções: ou Limiar ou Dark Matter. Queria muito usar a primeira, mas achava a segunda muito sonora. Para resolver o conflito, foi só acrescentar dois pontinhos ali.

Você já comentou que Limiar fecha um arco de histórias iniciado em O Quarto Vivente e aprofundado em L’Amour: 12 oz. Essas obras foram pensadas para funcionar como uma trilogia ou a ligação temática surgiu naturalmente?
Elas nunca foram pensadas em funcionar como trilogia – até pelo fato de que imaginar isso me traz certo incomodo. Somente quando estava relendo o roteiro de Limiar para a primeira revisão (feita pelo Daniel Lopes, do Pipoca e Nanquim) que percebi que havia unido de forma sutil as três histórias. Não há elementos em comum entre elas, mas se conversam. O que abri em 2013 com O Quarto Vivente se encerra subjetivamente em Limiar: Dark Matter. Quem acompanhou a sequência das histórias sentirá isso. Todavia, se alguém for ler Limiar sem ter lido as outras, não há nada que atrapalhe.
Limiar traz ainda sua segunda parceria com o colorista Marcelo Maiolo (nota do blog: entrevistei o Maiolo aqui). Como se dá a questão criativa quando outro profissional trabalha com você?
Antes de mais nada, ter a honra de trabalhar com um profissional da estirpe do Marcelo Maiolo é algo incrível. E, respondendo sua pergunta, dou liberdade criativa total para ele criar a paleta de cores. O que faço é enviar o roteiro e indicar um filme para ele assistir. Esse filme mostra o caminho por onde desejo que as sensações das cores fluam – para este trabalho, indiquei Enter the Void, do argentino Gaspar Noé.
E, a partir desse ponto, ele vai me enviando as páginas – e fico assustado como ele entende perfeitamente o que eu imaginava. Acredito que deixo a liberdade criativa dele trabalhar associada a uma ideia primária minha.
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Página de Limiar: a arte de Salles remete ao hiperdetalhismo de um Moebius, um Geof Darrow
Seu trabalho reflete uma visão europeia sobre a arte, na qual o sentido de uma obra só se completa no espectador/leitor. Digo isso pois muitos resenhistas de quadrinhos consideram que suas HQs são leituras mais complexas, pois você não costuma entregar os significados de bandeja para o público. Você busca, de forma consciente, instigar a participação do leitor na construção da obra?
Sim, faço de forma consciente – e não quer dizer que vá fazer isso sempre -, contudo acredito ser algo fundamental no modo em que trabalho. Eu gosto que o leitor, com sua carga afetiva e seus embasamentos de vida, leia e se aproprie conforme sua condição o conforta ou, principalmente, o desconforta. Parece ser coisa de doido isso, mas me incomoda a pasteurização da cultura.
Isso pode soar presunçoso, mas é a melhor forma que descobri para me comunicar com as pessoas. Não quero dizer que meu trabalho é bom, e talvez não seja nada além de outra pasteurização, porém é como consigo levar minha voz por textos e imagens. De nenhuma outra forma conseguiria. Não é presunção e, sim, contato.
Um tema recorrente em seus quadrinhos é a existência humana: ao mesmo tempo em que somos seres físicos, ocupando um espaço físico no mundo, também somos formados por conceitos, símbolos (que podem ser sentimentos, memórias). Existe algum motivo pessoal para essa sua busca em entender o que é ser humano?
A condição humana sempre me instigou. Não tenho resposta para nada, somente milhões de “por ques” em minha cabeça. Muitos conceitos me incomodam. Qualquer forma de poder, controle ou mesmo grupos seletivos trazem certo desconforto. Um exemplo simples, ordinário e que existe em todos os lugares: clubes.
Clubes privativos, em que o ingresso se dá mediante um convite ou mesmo mensalidade, mostram nossa mesquinharia e segregação. Qualquer tipo de partido me incomoda pois sempre defenderá primordialmente seus interesses. Entretanto, pelo fato de termos duas orelhas e uma boca, eu prefiro ouvir mais do que falar.
Quanto tempo você levou entre a concepção e a finalização de Limiar?
Demorei uns nove meses. Não gosto de fazer um álbum correndo. Se, por exemplo, a dois meses de um FIQ ou Comic Con Experience eu não tiver uma nova HQ para ser lançada, não farei algo somente para ter o quê apresentar. Durante quase vinte anos, trabalhei contra o relógio com metas, gestão de pessoas, orçamentos, prazos e tudo mais que possa deixar alguém doente. Não quero que as histórias em quadrinhos tomem esse caminho.
E, aproveitando a ideia da trilogia inconsciente formada pelos seus três últimos álbuns: existe alguma chance de você revisitar os personagens de Limiar em trabalhos futuros?
Sinceramente, se for pra fazer isso será com Luzcia, protagonista da minha primeira HQ, Luzcia, A Dona do Boteco (pode ser lida online aqui). Adoro a pinga dela.

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